Saturday, June 22, 2013

A gota d'água

Um belo dia saí para comprar uma garrafa de água.


Corri, sedento, esperando que ao chegar em casa, pudesse abrir aquela garrafa e ter o prazer de experimentar o elemento da vida: insípido, inodoro e incolor.

Para minha surpresa, percebi que o líquido que adentrava meu estômago continha não apenas moléculas de Hidrogênio e Oxigênio. A sombrancelha franzia ao sentir o gosto amargo do alimento. Não era insípido.

Após deixar registrado meu devido descontentamento com a situação, acompanhei outra garrafa ao meu lar. Novamente, a sensação se repetiu. Por anos.

Passei a acreditar que os livros de ciência precisavam se atualizar. A água tinha cansado de não ter gosto.

Passados muitos anos, não aguentei, tive que contar para alguém. Já não conseguia mais sonhar, apenas "pesadelar" aquela frustração velada. Tinha medo do que aquela revelação pudesse causar ao mundo.

De repente, percebi que a muitos o segredo já tinha se revelado. A maioria das pessoas daquela região já estava ciente do que estava acontecendo. A minoria era tida como louca e alienada. Mas todos sabiam.

Não teria sido elegante esboçar a ideia de que a água tivesse opinião e vontades a Bertrand Russell.

Todos sabiam que a água estava sendo adulterada, não tinha ninguém calado.
Eu permanecia fixo na ideia de um "antropolíquido" porque a voz dos outros não tinha o meu respeito. Não queria ouvir.

Cansados de tanta pressão da consciência, resolvemos sair às ruas para reinvindicar uma água de qualidade. Queriamos demonstrar nosso descontentamento com aquela situação.

Ao fim do dia, o dono da Empresa de Água subiu ao palco pra dizer que estava do lado de todos, mas tinha adulterado a água porque era mais barato não investir na qualidade. Sobrava mais recursos para os gerentes.

Sabendo que a qualidade da água não parecia ser uma prioridade de todos, a Empresa de Água não se sentiu na obrigação de cumprir com o contrato implícito de entrega da água insípida até então. Prometeu tornar mais urgente a necessidade.

Após o sono do microfone e promessas de melhoria, todos resolveram acreditar novamente em mais uma adulteração, ligar a TV e assistir ao jogo.



Ronald Kaiser